O poder natural de Daniela Mercury: Versão traduzida para o português.
Camille Paglia
O que aconteceu com Madonna? Eu tive uma série de revelações desde a minha viagem ao Brasil em maio, as quais escrevi em minha coluna de junho. Eu descrevi o momento no qual, depois de minha conferência sobre arte no Teatro Castro Alves em Salvador da Bahia, cinco DVDs de Daniela Mercury, uma superstar carismática que já foi chamada de "Madonna do Brasil", chegaram amarrados com uma fita vermelha. Foi literalmente eletrizante: eu me senti como se tivesse sido atingida por um raio, causando uma misteriosa reorganização das minhas células cerebrais. Meu tédio e desilusão com a cultura popular, que se intensificaram nos últimos 15 anos, pareciam ter desaparecido. Desde então, eu tenho explorado entusiasmadamente a história do Brasil e a carreira de Mercury através das maravilhas da web – esse instrumento revolucionário de intercâmbio cultural.
A carreira artística (na literatura, artes visuais e performance) tem sido um dos meus assuntos principais de pesquisa acadêmica desde a faculdade e na pós-graduação. É um dos temas principais do meu primeiro livro Personas Sexuais, que investiga a dinâmica ocasionalmente punitiva da criação artística. Por que alguns artistas têm uma rápida explosão e se apagam, enquanto outros crescem, amadurecem, mudam de estilo e continuam a inovar com o tempo? Como as mulheres artistas em particular lidam com o envelhecimento? Catherine Deneuve, por exemplo, como Marlene Dietrich, antes dela, ganhou em majestade interpretando de acordo com sua idade e não tentando imitar desmioladas de 20 anos.
Pensando em Daniela Mercury, eu me dei conta de repente de que Madonna é uma pessoa deslocada, uma refugiada. Ela perdeu suas raízes – Motown, a cidade de Detroit (chamada de Motor City por causa de sua indústria automobilística), em cujo subúrbio ela cresceu. Detroit tinha sido uma capital importante para a música negra em sua juventude, mas sua vitalidade declinou, parcialmente por causa da recessão econômica que devastou tantas cidades industriais do Centro-Oeste americano. Madonna seria um instrumento para dar legitimidade artística para a música disco, antes um estilo underground de boates gays e negras. Como dançarina, ela mirou nos ritmos propulsivos, percussivos africanos presentes no coração da música disco.
Em segundo lugar, a cultura imigrante ítalo-americana da qual Madonna surgiu se desintegrou com o passar do tempo. Eu também sou um produto disso e fico muito sentida de que, em virtude da assimilação social, muito pouco reste (exceto as difamações vulgares de "A família Soprano"). O combate de Madonna contra as repressões do catolicismo italiano (com seu complexo de Madonna-puta) produziu seu trabalho inicial, o melhor. Mas o catolicismo italiano sempre teve um forte resíduo pagão em seu culto aos santos e também em seu imaginário vagamente erótico sadomasoquista. O catolicismo italiano era sincrético, cerimonial e fortemente imagético – uma inspiração ideal para um artista. Em terceiro lugar, ao deixar sua casa para procurar fama e fortuna em Nova Iorque, Madonna separou-se de sua grande família – a qual ela está tentando recriar atualmente, através de uma triste adoção de alto padrão em série.
Ao longo do tempo, voando para lá e para cá, entre Los Angeles e Nova Iorque e depois mudando-se para Londres, Madonna se tornou uma entidade flutuante. Ela tentou substituir o que considerava o puritanismo moralístico do catolicismo italiano pela Cabala – mas esse ramo introspectivo do judaísmo místico não é uma combinação ideal para uma dançarina pagã do calibre de Madonna. A Cabala, que ela exaustivamente transformou em moralismo enfadonho, tem sido desastrosa para a vida criativa de Madonna.
Apesar do seu interesse por homens latinos, tem havido pouca influência da música latina no trabalho de Madonna (exceto pela bela "La Isla Bonita"). Então, quando ela se casou com Ritchie, Madonna ficou obcecada pela alta sociedade britânica, na qual a expressividade emocional é programaticamente desencorajada. Ela começou a macaquear um sotaque britânico (uma afetação sempre ironizada no Reino Unido) e, por um tempo, aspirou à pequena nobreza do campo, caçadas, cavalgadas e tudo mais, até que ela caiu de um cavalo há três anos e, apesar dos planos anunciados de construir um luxuoso centro eqüestre para si, parece ter sabiamente arquivado a coisa toda. Madonna de fato deu novo gás à sua carreira no final dos anos 90 com a colaboração de uma série de homens especialistas na música eletrônica, mas será que a electronica (um artifício de estúdio) era realmente o caminho para uma dançarina e celebrante das glórias da carne?
Daniela Mercury, ao contrário, nunca deixou suas raízes. Embora viaje pelo mundo e seja sempre vista no Rio de Janeiro, ela ainda mora em sua cidade natal de Salvador, onde sua família vive, incluindo seus dois filhos que têm pouco mais de vinte anos (Gabriel Póvoas, músico, e Giovana Póvoas, dançarina) e também sua irmã, a cantora Vânia Abreu. A principal inspiração de Daniela é a própria cidade de Salvador, que, ao contrário de Detroit, ainda viceja como um centro de cultura negra. A Bahia é a região mais africanizada no Brasil. Estima-se que quase 80% dos seus habitantes tenham alguma linhagem africana.
Enquanto Madonna tem de fazer gestos extremos de compaixão em relação a Malawi (como em seu último filme), rodado em um continente com o qual ela não tem nenhum vínculo pessoal, Daniela Mercury está imersa na cultura negra desde a infância. Ela começou estudando dança afro, ao lado do balé, quando tinha 8 anos. Costumavam chamá-la de "a branquinha mais negra da Bahia". Em um país de sensíveis questões raciais e severas desigualdades econômicas, Daniela tanto no palco quanto fora dele tem denunciado fortemente o "racismo em todas as suas formas" e suas canções com freqüência celebram a beleza da pele negra.
O sincretismo religioso é muito complexo em Salvador, porto no qual milhões de africanos desembarcavam de navios negreiros para trabalhar em condições brutais nas plantações de açúcar e nas minas de ouro. Salvador, fundada pelos portugueses em 1549, foi a primeira capital do Brasil. A maior parte do que pensamos ser essencialmente brasileiro, incluindo o samba (uma dança africana), veio originalmente da Bahia, onde também havia índios nativos que se somaram à mistura racial. Quando os portugueses baniram os cultos africanos, os escravos simplesmente identificaram os santos católicos com seus próprios deuses, produzindo uma fusão belíssima que continua ainda hoje. Os cultos Yorubá sobreviveram no candomblé moderno, que também é praticado por muitos brasileiros brancos. Os rituais percussivos do candomblé enchem as ruas de Salvador, uma atmosfera sonora que é a voz característica da cidade.
Salvador, desde o início, era uma cidade altamente religiosa: há 365 igrejas no centro histórico, algumas delas construídas pelos escravos com seu próprio trabalho e dinheiro. A arquitetura e ornamentação dessas igrejas são sempre sincréticas estilisticamente – uma espantosa mistura eclética de motivos barrocos, clássicos e românticos. Daniela Mercury dramatizou o sincretismo religioso da Bahia em seu primeiro vídeo - "Santa Helena" -, no qual ela é vista rezando em uma igreja católica no antigo bairro do Pelourinho e também realizando rituais de candomblé – oferecendo comida e velas aos deuses e perguntando profecias a uma sacerdotisa, que está jogando ossos como dados.
O carnaval de massa de Salvador, que antecede a Quaresma, também é religioso em sua origem. O carnaval do Rio de Janeiro, conhecido mundialmente, se tornou um espetáculo teatral formalizado e regulamentado: os dançarinos em fantasias elaboradas são assistidos por espectadores em uma grande arena. Mas o carnaval de Salvador é uma performance de rua, que toma conta e transforma a cidade inteira. Caminhões de som gigantes (trios elétricos), espremidos por milhares de pessoas que pulam alegremente, movem-se vagarosamente pelas ruas. Cantando e dançando perigosamente em cima das super-estruturas dos caminhões, a três andares de altura, estão cantores e dançarinos profissionais como Daniela, que grita hilariamente para as varandas e camarotes lotados de espectadores ao longo do trajeto. Os caminhões parecem navios de cruzeiro que se movem em um mar de pessoas: um milhão ou mais enchem as longas avenidas até onde a vista alcança.
O carnaval de Salvador é uma procissão religiosa que se tornou incrivelmente high-tec. Pode levar sete horas (com os artistas em um excesso de trabalho incansável) para completar o trajeto através da cidade. Em 1996, Daniela, cujo bloco de carnaval é chamado de Crocodilo, iniciou um novo trajeto pela orla marítima (Salvador é dramaticamente cercada por 50 km de praia) – produzindo então tomadas espetaculares em seus DVDs nas quais ela aparece cantando completamente fantasiada, acima das palmeiras iluminadas pela lua com as ondas que quebram abaixo. "Como a praia é linda!", ela diz para a multidão em uma dessas noites balsâmicas.
A experiência da infância de Daniela no carnaval de Salvador permanece a base de sua estética. Sua energia e poder vêm da performance improvisacional ao ar livre e da identificação empática de todos os cantores e dançarinos baianos com a comunidade multirracial. Inspirada pela estrela brasileira Elis Regina, Daniela começou a cantar em bares de Salvador quando tinha 16 anos, mas seu primeiro senso artístico foi como dançarina. A surpreendente variedade e complexidade dos ritmos africanos e brasileiros continua a motivar seu trabalho, que toma cem diferentes formas em todos os gêneros do pop e do jazz. Em contraste, Madonna, depois das inovações do seu vídeo inicial como dançarina treinada na técnica de Martha Graham, não foi além do estilo elegante do "Cabaret" de Bob Fosse que ela adotou nos seus shows de palco no início dos anos 90.
Madonna e Daniela seguiram caminhos inversos nos últimos 15 anos. A decadência artística de Madonna começou em 1992 – um ano depois de Daniela ter se tornado uma figura nacional no Brasil. Mas Daniela cresceu incrivelmente em autoridade pessoal e domínio artístico no mesmo período. Ela começou com uma presença refrescante, feminina, quase como a imagem de uma corça. Mas ela se transformou em uma tigreza! Aqui está uma seleção representativa do trabalho de Daniela, traçando sua evolução criativa:
1. "Swing da Cor", um dos carros-chefe de Daniela Mercury (sobre o fim de um romance). Cantada em um concerto marcante de 1992 na colossal Praça da Apoteose (no Sambódromo, "templo do samba"). Observe o incrível tamanho da multidão e o delírio geral. Daniela tinha se tornado um símbolo de uma nova geração depois do fim da ditadura militar no Brasil sete anos antes. O simples "não" de Daniela com a explosão de atabaques pode ser um dos motifs mais instantaneamente identificáveis na música brasileira moderna.
2) "O canto da cidade", outro dos carros-chefe de Daniela, que ela escreveu e canta no mesmo show de 1992 no Rio. Desde então, esta música se tornou um hino para muitas cidades no Brasil.
3) "Beija flor" com a Timbalada em 1993. Daniela parece ser a única pessoa branca no palco com este grupo de incríveis percussionistas e performers de corpo pintado no estilo africano. O público vai ao delírio. Isso aconteceu no início do movimento axé do samba-reggae, com o qual Daniela se associou. Ele marcou uma quebra radical do estilo inicial de samba-jazz, mais suave, mais relaxado, que a maioria dos americanos conhece através da bossa nova. Daniela causou uma controvérsia inicial em virtude do uso pioneiro de instrumentos eletrônicos na música popular brasileira.
4) "O reggae e o mar". Neste vídeo ensolarado de 1994, você pode realmente ouvir o reggae na música axé de Daniela. Parece que foi rodado em Nova Iorque – as torres do World Trade Center aparecem repetidamente. Daniela está dando piruetas (no Central Park?) como uma fada.
5) "Feijão de corda", uma bela canção enquanto Daniela dispara com sua dança de fada livre, com alguns movimentos muito bons de dança moderna. Este é certamente um vídeo para seu álbum pioneiro de 1997, "Feijão com Arroz", que já foi chamado de "obra-prima".
6) Um dueto com Roberto Carlos de 1994. Note como Daniela está aberta embora timidamente terna e com uma feminilidade infantil neste período. Ela sempre demonstra uma grande atenção e profundo respeito com outros artistas.
7) Um vídeo inicial com Gilberto Gil, um gênio da música baiana. Gil tinha sido preso, junto com o músico Caetano Veloso, pelo regime militar, mas se tornou mais tarde vereador em Salvador. No início de sua carreira nos anos 1980, Daniela foi vocalista para Gil. Note como ela ainda tem uma feminilidade infantil, apesar da calça preta e botas de salto alto sob o vestido vermelho de babados sugerirem um domínio crescente em persona. Eu suponho que esta música, com sua dança alegre na areia, seja sobre o estilo de vida relaxado e imaterialista baiano.
8) "Embala" com o Cirque du Soleil em um grande show ao ar livre. Daniela está dançando tão livremente quanto o Ariel de Shakespeare. Que crescendo de ritmos brasileiros fantásticos e complexos! Os performers de kickboxe estão de fato fazendo capoeira, uma versão das artes marciais trazida pelos escravos africanos para a Bahia e ainda praticada nas ruas de Salvador. Aqui Daniela está usando suas habilidades de balé mais graciosas. O final, quando ela atravessa o grupo para se libertar na arena livre, é absolutamente revigorante. Há cortes de câmera excessivos nos seus melhores movimentos: se a Hollywood clássica estivesse filmando a performance de Daniela naquela noite, teria se aproximado do trabalho mais inesquecível de Rita Hayworth e Cyd Charisse.
9) "Aeromoça" do álbum "Clássica" de Daniela, gravado em uma casa noturna, como aquelas nas quais ela começou sua carreira de cantora nos anos 80. Esta canção bela e melancólica (próxima do fado português) foi escrita por Daniela e seu filho, Gabriel Póvoas, que recentemente lançou um álbum de bossa nova. (Infelizmente, o som e a imagem deste vídeo divergem a partir de 1:30 provocando muita raiva.) A música usa a metáfora de uma aeromoça para dizer que o cantor deve "voar" e não pode ficar preso em um relacionamento romântico. Eu adoro o melisma quase oriental do final. Daniela aparece radiante em um top brilhante verde-oliva, parecido com uma roupa de mergulho. Ela está um pouco tímida, contendo sua energia e visivelmente lutando para não dançar! Mas ainda assim ela faz alguns movimentos maravilhosos, incluindo a imagem final de flamenco.
10) "Os Colombos". Daniela está pesarosa e casual em um estúdio, simplesmente com um violonista e um pianista. Outra canção melancólica e taciturna. Daniela também faz algumas improvisações fabulosas e ultra-sensuais com seus braços em torno de 2:32, junto com um misterioso vocal ao estilo de Yma Sumac. No final, ela surge como uma sonâmbula do espaço artístico e muda para seu eu real com um sorriso deslumbrante e amigável.
11) "Olha o Gandhi aí", outro dos carros-chefe de Daniela, interpretada por ela no Coliseu em Lisboa. Contudo, o verdadeiro nocaute é a gravação original, que este vídeo de um ensaio da Companhia Axé captura perfeitamente. Escute o incrível ritmo e a guitarra elétrica crua e psicodélica! Minha cabeça quase explodiu quando eu ouvi isso pela primeira vez. Eu admiro profundamente o modo como Daniela deixa sua voz cair no refrão a três quartos do início. Ela tem a misteriosa habilidade de criar intimidade repentina no meio da potência, quando ela cai para sua voz de peito, grave e rouca. Como diabos ela faz isso no meio daquele estrondo dionisíaco dos tambores e guitarras vigorosos? (Donna Summer cantava alto e permanecia alto quando surfava no tsunami de Giorgio Moroder). Esta música é uma saudação à uma associação (afoxé) de homens em Salvador, os Filhos de Gandhy, que se vestem com turbantes e túnicas brancas para celebrar os valores de paz de Mahatma Gandhi. A música diz que a procissão deles pela rua é um "tapete branco" ao qual todos correm para ver.
12) "O mais belo dos belos", uma incrível peça teatral da maratona de Daniela para o especial da MTV Eletrodoméstico de 2003, que eu acho que todo jovem performer aspirante deveria comprar e estudar. De um canavial, surge uma série de dançarinas africanas adornadas e radiantes, simbolizando o nascimento da música brasileira nos séculos atrozes de escravidão. Com passos largos e ondulantes, como um gato, Daniela surge de preto com um adereço de cabeça ritual com ornamentos de prata caindo sobre seus olhos, a roupa de uma sacerdotisa do candomblé. Esta feiticeira confiante com seu magnetismo animal está a um mundo de distância da jovem cantora tímida do início dos anos 90.
13) Daniela interpretando a obrigatória canção-título de "Eletrodoméstico" em um festival de jazz em Montreal, em 2004. A câmera nem sempre pega os belos, agitados, movimentos de dança moderna, com o braço totalmente estendido (como itálico), que é a marca desta música e que pode ser melhor vista no DVD Eletrodoméstico, no qual a canção inicia o show. Este vídeo é uma demonstração marcante do poder da arte: um grupo viajante de músicos brasileiros recriando o fogo cultural de sua nação em um espaço de pouca luz, com uma atmosfera invernal, como uma caverna, no Canadá. Note o uso dos tons graves e roucos de Daniela e sua linguagem corporal militante, quase masculina, quando ela surge com a persona de rapper de rua da canção. Como é charmoso, como sempre, quando ela retoma seu eu verdadeiro cordial no final. E, não menos importante, ela está usando uma das suas roupas pretas de couro recortado mais sensacionais.
14) "Umbigo do Mundo" interpretada por Daniela com o famoso grupo de percussão baiano, Olodum, da produção da MTV de Eletrodoméstico. Percussão inebriante. E Daniela faz o rap brilhantemente. Eu posso não entender português, mas ainda assim é fascinante – poesia pura! (Ouvir Daniela neste verão me inspirou a comprar CDs de aprendizagem de idioma em Português do Brasil e livros de gramática).
15) "No balanço do mar". Um ritmo brasileiro belo e alegre, enquanto Daniela pastoreia um rebanho de garotas sexy com saias feitas de bacias de alumínio, as quais elas batucam entusiasticamente com baquetas de percussão. As divertidas roupas (como saídas da Paris da vanguarda dadaísta) são uma fantasia criada por Daniela, inspirada nos tambores de rua de metal.
16) "Ilê de Luz", no show de 2005 no Farol da Barra, o histórico farol de Salvador. Isto não é entretenimento popular: é música artística, tão séria quanto qualquer uma de Schubert. Daniela está cantando quase à capela, apenas com o acompanhamento de um pandeiro. Ela está muito emocionada e a platéia permanece estranhamente silenciosa e perplexa. Ela está quase salmodiando, como uma sacerdotisa ou um grego antigo ou um poeta beat. Sua inteligência ardente e compromisso moral são completamente visíveis quando ela usa firmemente o estilo tradicional africano de "pergunta e resposta" com a multidão de jovens. Ela está cantando sobre racismo e o triunfo do amor contra o preconceito; ela coloca ênfase especial nos versos sobre a beleza da pele negra. Sua mão erguida no final (na palavra luz) aponta para o sol na esperança da iluminação e redenção social.
17) Para ter um gostinho da vida de rua de Salvador, veja isso. Aqui estão dois homens belos e semi-nus fazendo uma impressionante demonstração atlética de dança axé em um parque da Bahia. Observe a postura caracteristicamente ampla das pernas e pés, uma imagem africana que eu só tinha visto antes na dança limbo. Quando uma mulher (como Daniela) faz isso no palco, a dança dá grande força de afirmação ao torso e quadris.
18) Aqui estão duas jovens mulheres vivazes competindo em um concurso de axé na praia de Salvador. Que espantosa fluidez pélvica! Veja o nascimento do samba e todo o balançar das cadeiras do rhythm and blues americano nos últimos 60 anos!
19) Que tal isso para entretenimento extra? É um coro percussivo estimulante nas ruas de Salvador – mãe África falando quase cinco séculos atrás. Observe uma peculiaridade da Bahia tropical que me pegou de surpresa quando eu estava lá: o sol está brilhando no começo deste vídeo curto e então ele se põe repentinamente. Puf! Não há crepúsculo. Os carros à distância ligam os faróis e é isso.
20) Uma fofoquinha de bom gosto: a jovem cantora estrela Nelly Furtado, rapidamente eliminando a idéia de que tenha querido imitar Madonna. Não, ela diz, é Gloria Estefan e, mais ainda, Daniela Mercury que são seus modelos como estrelas internacionais.
21) O carnaval de Salvador de 2007: um vídeo clip de Daniela (em um vestido remotamente espanhol com um véu branco) cantando e gritando do alto do seu trio elétrico. Longas tomadas da avenida mostram seu trio do Crocodilo cercado pela massa.
22) Este clip do mesmo carnaval de Salvador de 2007, feito com um celular de um fã em uma varanda, realmente oferece um excitante sentimento de que parece que você está lá (o pôster francês do YouTube diz: "Voici la sublime Daniela Mercury" [Eis a sublime Daniela Mercury]. O trio do Crocodilo de Daniela pode ser visto se aproximando grandemente e passando (com outro caminhão atrás) enquanto a ouvimos cantar um de seus muitos sucessos, "Maimbê Dandá" ("Zum, zum, zum"). O delírio nas ruas é bem capturado do alto. A arquitetura do altivo trio elétrico (que aqui parece um barco a vapor aceso do Mississipi) é claramente visível de lado, com os dançarinos na plataforma mais alta e os músicos no nível mais baixo. No final, membros do Filhos de Gandhy podem ser vistos com seus turbantes brancos no meio da multidão.
23) OK, agora de volta à questão de Madonna. Por favor, compare a foto horrível, fria de uma múmia deslocada na frente do último CD de Madonna com esta deliciosa foto recente de Daniela Mercury em um programa de TV. Entende o que eu digo? Esta mulher vital está em contato com a natureza brasileira em todo o seu esplendor. Quando meu colega Jack DeWitt viu a foto, ele disse que Daniela se parece com "uma ninfa ou uma bacante, com algo de selvagem em seu olho". Direto no alvo!
24) Aqui está um programa de alguns meses atrás quando Daniela foi entrevistada longamente por Marilia Gabriela, uma grande dama super-paga de São Paulo na região sudeste do Brasil (a Bahia está no distante nordeste). Outra vez, observe a sensualidade calorosa, bem-humorada e relaxada de Daniela comparado com a Madonna laminada e posada de "Hard Candy". Aos 6:55, pouco antes de ela mostrar alguns DVDs, Marilia pergunta sobre a vida amorosa de Daniela, como anunciado na imprensa. Daniela confirma afavelmente que atualmente tem um relacionamento com um jovem e belo empresário brasileiro e sim, ela também teve um caso no ano passado com uma mulher em Nova Iorque, mas que não, ela não era arquiteta!
25) Continuando o ultimo tema picante, Daniela travessamente causou um rebuliço na imprensa no verão passado quando beijou outra cantora brasileira, Alinne Rosa, durante a gravação de um DVD. (Na reportagem, clique na linha amarela "Veja a foto ampliada" para ter uma visão aumentada das duas mulheres beijando-se contra um fundo preto). Todos sabiam imediatamente que era uma alusão ao beijo de Madonna e Britney Spears no palco (um momento fatal que evidentemente fez a carreira de Spears entrar em parafuso). Naturalmente, as lésbicas da América do Sul ficaram radiantes, como neste website, que tem mais fotos da travessura com Alinne Rosa, mas, infelizmente, não tem a foto de Daniela colocando atrevidamente a mão no decote de Rosa. (Oh, quanta diversão!)
28) Finalmente, aqui está outra entrevista reveladora, mostrando a animação, abertura e graciosidade despretensiosa de Daniela, em oposição às afetações, suspeitas e defesas ferinas de Madonna. Caso encerrado!
Esta é a história de uma mulher que se apaixonou por uma cidade. O amor supremo de Daniela é Salvador da Bahia. Nenhum homem ou mulher pode competir pelo coração dela contra a incrível variedade da cidade e de seu povo. Com seus montes altos e praias brancas e sua carga pesada histórica, Salvador é uma interseção mágica de natureza e cultura. Muitos grandes artistas foram criados pela Bahia. Mas Daniela Mercury, através do seu extasiante casamento com a alma da cidade se tornou sua deusa.
Artigo original, em inglês:
http://www.salon.com/opinion/paglia/2008/08/13/mercury/index1.html
Camille Paglia é a mais importante intelectual americana na área de cultura e arte. Sua tese "Personas Sexuais" - sobre a arte e o sexo na construção da civilização ocidental, da pré-história ao século XIX - é um marco na crítica e história da arte e tornou-se um best-seller mundial nos anos 90. Culta e de idéias originais e provocadoras, ela se tornou uma personalidade influente não apenas nos Estados Unidos. De personalidade forte, corajosa e ousada, teme-se a sua franqueza na mesma medida em que respeita-se a sua inteligência brilhante. Sua visão afirmativa da mulher e sua repulsa pelo discurso do feminismo americano conservador, que mantém o discurso da mulher como vítima do macho, fazem dela um verdadeiro tufão de renovação do feminismo no mundo. Seus artigos sobre o poder das divas, em especial valorizando os ícones Elizabeth Taylor e Madonna tornaram-se clássicos.